sábado, 16 de abril de 2022

António Anselmo Aníbal. Uma biografia

Corajoso dirigente académico e cidadão com uma lúcida e permanente intervenção cívica, Anselmo Aníbal distinguiu-se pela sua dedicação consistente à causa pública e pelas excelentes qualidades humanas e profissionais. Era um homem extremamente afável e de grande generosidade.

Biografia (da autoria de Helena Pato com dados fornecidos pela família)

Nasceu em 1942 na cidade do Porto, onde o pai, sargento do exército, fora colocado. Aí faz os primeiros anos da escola primária. Já em Lisboa, frequenta o Liceu D. João de Castro. Em 1956, morre-lhe o pai e, aos 14 anos, vê-se confrontado com dificuldades económicas e a necessidade de assegurar a subsistência da família (uma mãe sem emprego e um irmão doente). Concilia então, e durante todo o percurso académico, o estudo com algum trabalho.

A partir do 5º ano do liceu a Gulbenkian atribui-lhe uma bolsa de estudo. Nesses anos encontra na JEC o espaço em que a sua capacidade de organização e de intervenção se revela e onde reflecte já um pensamento ideológico de combate à ditadura.

Não obstante os períodos de dúvida religiosa, manteve-se até 1961 ligado à JEC de Lisboa como seu presidente.

Universidade: crise de 62 e a ida para Lille

A entrada na Universidade coincide com a crise académica de 62, e certo do papel que essas lutas desempenhavam no futuro político do país encontrou nela o modo de assumir uma posição activa na oposição ao regime.

CRISE ACADÉMICA DE 1962. CIDADE UNIVERSITÁRIA, LISBOA.

“Ser consequente”, escreveria mais tarde, “era então ser próximo de quem dispunha da combatividade necessária para enfrentar o primarismo e a brutalidade da repressão”. De 1963 a 1965 é presidente da Associação dos estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa e membro do Secretariado das Reuniões Interassociações (RIA). Em 1965, por despacho ministerial, é expulso por um ano de todas as universidades nacionais.

Nesse ano faz uma pós graduação em Ciências Humanas na Universidade de Lille III como bolseiro do Governo francês. Não fica em França, como chegou a ponderar, regressa ao País termina a tese de licenciatura

Entre as aulas numa escola particular e o serviço militar vai, nos anos que se seguem, intervindo na CDE e publicando alguns artigos na Seara Nova e na Análise Social. Emprega-se, entretanto, no Banco Totta Açores onde, profissionalmente, se manterá sempre.

EM 29 DE NOVEMBRO DE 1965, CASA COM GRAÇA CABEÇADAS. ELE COM 23 ANOS E ELA COM 19, PASSAM A VIVER EM LILLE, ONDE ANSELMO ANÍBAL TERMINA A TESE DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA, QUE O REGIME O TINHA IMPEDIDO DE CONCLUIR NAS UNIVERSIDADES PORTUGUESAS

O PS, e funções legislativas

Com o 25 de Abril integra o Partido Socialista e vai exercer funções de dirigente no Instituto de Tecnologia Educativa (ITE). Em 75 deixa o PS e aceita, como independente, o cargo de Secretário de Estado da Administração Pública do V Governo Provisório.

De 1980 a 1987 é deputado à Assembleia da República pela APU, Vice Presidente da Comissão Parlamentar de Administração Local, durante a 3ª Legislatura e Presidente da Comissão Parlamentar do Equipamento Social na 4ª Legislatura.

Vereador em Lisboa

Desempenhou o cargo de Vereador no Município de Lisboa ao longo de 17 anos, entre 1976 e 1993, durante os mandatos dos presidentes de Câmara Aquilino Ribeiro Machado, Nuno Cruz Abecassis, Jorge Sampaio e João Soares.

Foi vereador da oposição entre 1976 e 1989 e vereador com funções executivas, entre 1990 e 1993, do Pelouro da Organização e Modernização Administrativa e do Pelouro da Intervenção Social.

Sempre próximo de organizações cívicas como o Conselho para a Paz e Cooperação, fez parte, desde os anos 90, dos órgãos da Civitas (Associação para a defesa e promoção dos direitos dos cidadãos).

De 1999 a 2001 preside à Comissão Instaladora da Inspecção Geral da Administração Pública e, em 2002, é nomeado Presidente do Instituto para a Inovação na Administração do Estado.

Foi, desde 1974, professor convidado no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e, desde 1999, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

Reconhecimento público

Foi condecorado com a medalha de Mérito – Grau de Ouro, pelo Eng. Kruz Abecassis, em reconhecimento do seu serviço à cidade de Lisboa.
Em 2006 foi-lhe conferido, pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, o Grau de Comendador da Ordem do Mérito.

Em 2009, três meses antes de falecer, e já muito doente, assinou o apelo à participação no desfile da comemoração dos 35 anos da Revolução dos Cravos.

Além de numerosos artigos na imprensa, e de intervenções em congressos, nomeadamente sobre Direito Administrativo, publicou “A gestão de recursos humanos e os direitos dos trabalhadores”, com Vítor Costa, na Editorial Caminho (1988).

Antes do mais, o medo é a impotência sobre o futuro. É a admissão de que o presente é inalterável. É crer que a vontade e a acção nada podem sobre as circunstâncias. Quem tem medo não tem confiança na eficácia das suas tentativas para transformar o mundo; submete-se a ele.(…) Se tem medo, se tem muito medo, aja. E o medo morrerá.


FONTE: https://www.jornaltornado.pt/antonio-anselmo-anibal/


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Se tem medo, se tem muito medo, aja. E o medo morrerá.



“Antes do mais, o medo é a impotência sobre o futuro. É a admissão de que o presente é inalterável. É crer que a vontade e a acção nada podem sobre as circunstâncias. Quem tem medo não tem confiança na eficácia das suas tentativas para transformar o mundo ; submete-se a ele.(...) Se tem medo, se tem muito medo, aja. E o medo morrerá”.


(in “Unidade Estudantil”, edição das Associações de Estudantes de Lisboa, n.º 7, Março de 1965)


O texto que se segue, da autoria de Anselmo Aníbal, falecido em 2009 aos 66 anos, foi escrito em 2002 a pedido da comissão organizadora das comemorações daquele ano, mas nunca chegou a ser publicado. Porque a sua actualidade se mantém, agora se publica. É também uma homenagem ao corajoso dirigente académico e ao cidadão com uma lúcida e permanente intervenção cívica.


A PROPÓSITO DO 24 DE MARÇO DE HÁ 40 ANOS

                                                                                               ANSELMO ANÍBAL


Presidente da Associação de Estudantes da F.L. da Universidade de Lisboa, entre 1963 e 1965, tendo em 1965 sido expulso das Universidades Portuguesas por um ano pelas autoridades académicas de então, ano, aliás, em que foi bolseiro do Governo Francês na Universidade de Lille III. Professor Convidado do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e Presidente do Instituto para a Inovação na Administração do Estado.


“Lutemos com unidade pela nossa autonomia – bis

Que para a Universidade há-de vir um novo dia” – bis

(do Hino do Estudante – 1962/65)


1.  Em 24 de Março de 2002 comemoram-se 40 anos sobre o Dia do Estudante de 1962. É um facto indesmentivel que esse Dia do Estudante é sequência de uma luta organizada e de anos de trabalho conjunto dos universitários portugueses e das suas associações de estudantes na procura da adopção de um modelo de organização da Universidade, diverso do ditado pelas autoridades da ditadura.
No período posterior à publicação do dec-lei 40.900 (decreto de 12 de Dezembro de 1956, que “tentava” actualizar a legislação circum-escolar de 1932), lutou-se claramente contra tal diploma que consignava um conjunto de atentados a elementares princípios de tradição associativa: aboliam-se as assembleias gerais, exigia-se a autorização do director de escola para quaisquer realizações, determinava-se a presença de uma delegação permanente do director da escola junto de cada associação. Essa luta assumiu formas não previstas pelas autoridades: foram estabelecidos contactos com Ordens e Sindicatos, com os Conselhos Escolares das diversas escolas, com a Imprensa, distribuindo-se o texto do diploma e promovendo-se a sua discussão em assembleias gerais. Na chamada Assembleia Nacional a presença dos estudantes quando da discussão do decreto e as manifestações públicas em Lisboa e Coimbra, exemplificam bem o clima vivido e os problemas que trouxe às autoridades de então.
O próprio 40.900 e a luta a que conduziu as associações e o conjunto dos estudantes, originou um passo decisivo para “a real identificação do pensamento de todos os dirigentes associativos de Lisboa, fortalecendo substancialmente as estruturas de cúpula e foi o primeiro passo importante para a unidade da base estudantil de toda a Universidade”(1).
De 1958 a 1960 sublinhe-se uma actividade organizativa, na continuidade ao processo criado pelo 40.900. A luta consciencializara camadas mais latas de estudantes. Lembre-se aliás, o que não foi publicamente invocado em alguns Seminários de Estudos Associativos dos anos 60, mas que estava, como é evidente, na mente de todos: a campanha de massas de 1958 quando da “eleição” presidencial. Os textos “a Universidade e o momento político actual” é o nome dum texto da responsabilidade da Comissão Cívica Eleitoral dos Estudantes Universitários publicado nessa altura: nele se salientavam, com dados e números em apoio, que “o fim cultural da Universidade não se realiza actualmente” que “os órgãos universitários são ineficientes” que “a universidade é tecnicamente ineficaz” alheando-se “da integração na Nação”: que “o acesso à Universidade não é livre, por os estudantes serem apenas representantes de uma pequena parte das forças vivas da Nação”. Sublinha-se, então, que não “existe extensão universitária”, por os “interesses militares de sobreporem aos da formação universitária” e por o orçamento da Educação ser mínimo (8,8% do total do OGE em 1957 e 8.4% em 1958).
Este texto que tem muitos outros aspectos reveladores e ricos(2) assume, como é evidente, a dimensão claramente política que, entretanto, os textos subscritos pelas A.E. não podiam ter, embora expressassem também um conteúdo claramente assumido contra a política educativa e universitária da ditadura. Aliás, em 1958, no V Dia do Estudante (19 de Março de 1958), entre outras manifestações, destacou-se a do plenário para discussão dos temas relativos às organizações circum-escolares universitárias.
Foram presentes 6 teses sob o tema geral “Para um melhor enquadramento das organizações de estudantes”.
Sublinhe-se, ainda, que em 1960 o Dia do Estudante é repartido por três dias de trabalho e comemoração, mostrando já uma nova movimentação do trabalho na área da Universidade: a eleição de uma “diferente” Direcção-Geral da A.A.C. em Coimbra e o sinal de um movimento cada vez mais generalizado aos estudantes portugueses.
2.  Em 1961 já o Dia do Estudante é composto por 4 dias (16 a 19 de Março). Há colóquios, festival desportivo, sarau cultural, jantar (no ginásio da associação do Técnico), há uma participação crescente de todas as academias e de um número maciço de estudantes. Como se sublinha na tese já citada(3), tal movimentação é resultante, também, de um conjunto de iniciativas: da “tomada da Bastilha” (25 de Novembro em Coimbra, com delegados de Lisboa e Porto), à reunião nacional de Organismos Associativos Estudantis Portugueses (16 e 17 de Dezembro de 1961), à realização do 1.º Encontro Nacional de Imprensa Universitária (11 e 12 de Março de 1961).
Tudo isto tem lugar num clima político de grande tensão. A guerra colonial eclodira em Angola (4 de Fevereiro). Em Abril de 61 teve lugar, aliás, uma tentativa de golpe de Estado. Movimentos populares tinham variadas expressões. A “campanha” de Out. 61 é, mais uma vez, momento de luta contra o regime e denúncia alargada do que o caracteriza.
3.  Conhecem-se as razões imediatas da “crise” estudantil de 1962. Acentuara-se, desde o inicio de 62, uma situação de luta nas Escolas: os estudantes não aceitam cooperar nas comemorações dos cinquenta anos da Universidade Clássica pelas restrições feitas à participação estudantil, manifestando-se perante o então chamado Presidente da República. A Cantina Universitária de Lisboa que fora entregue a particulares (sendo a sua administração ridicularizada, visando-se os administradores e as autoridades académicas), acaba por ser gerida por uma comissão mista de estudantes e professores.
A 24.3.62, data do Dia do Estudante, a Cidade Universitária, ao Campo Grande, em Lisboa, apareceu bloqueada pela Policia. O ministro da Educação fora avisado (desde meses antes) da realização do “Dia do Estudante”. Esse bloqueamento e as provocações que se lhe seguem estão na razão directa da concentração de milhares de estudantes e do luto académico que se vai seguir nos meses seguintes. Quem viveu esses momentos e a sequência dos acontecimentos, recorda-se, sem dificuldade, do trajecto de muitos estudantes para o restaurante do Lumiar onde se iriam discutir os problemas e as agressões que foram vitimas.
As adesões, dos primeiros momentos, de Conselhos Escolares, a demissão do Reitor da Universidade Clássica – em conflito  com a orientação do ministro do Interior e em busca de certa imagem de “liberdade” que lhe terá servido em 68-69 para a chamada “primavera marcelista” – o próprio recuo – aparente – do Governo, são bem significativas da amplitude e da força do movimento estudantil. As Assembleias Plenárias tinham – em regularidade e em convocação sumária – milhares de presenças, a decisão democrática impôs-se como metodológica de acção e a criação, na luta de muitos quadros, era elemento fundamental que decorria da acção dos estudantes que se colocavam, assim “numa das primeiras filas do movimento antifascista”(4). Refiram-se os movimentos de Maio de 62 contra as 1500 prisões em Lisboa e Coimbra e ligue-se isto às lutas de operários agrícolas e industriais, designadamente aquelas que, embora vindas de longe, tiveram uma importante expressão de massas, exactamente em Maio de 62: a luta pelas 8 horas e, em vários locais, pelos 40$00 de jorna. Refiram-se as prisões de dirigentes e as expulsões e ligue-se isto à política descarada de mentira que as autoridades fascistas prosseguiam na comunicação social e à política de repressão que prosseguiam em Portugal e em Angola, designadamente.
Não se pode deixar de concluir daqui, que houve uma direcção de luta estudantil que não só coexistiu com a luta geral contra o fascismo e o colonialismo, como se inseriu nela e lhe deu a força da sua expressão própria: para mais salienta-se (e reitera-se) que a ligação entre dirigentes e estudantes assumiu formas de auscultação muito capazes, dando uma expressão de reforço democrático ao movimento estudantil. A condução da luta, nas circunstâncias difíceis que se conheceram então, teve em conta amplas camadas estudantis e a sua disposição à defesa dos interesses globais dos estudantes portugueses, procurando-se também o apoio da grande maioria do corpo docente – mas denunciando-   -se, sem hesitações, os docentes que hostilizavam e caluniavam os estudantes – e da população – tanto em Coimbra (visível no apoio do comércio de Coimbra) como em Lisboa (a nível de petições e comunicados de intelectuais, médicos, etc.).
A análise demorada – e devidamente documentada – da crise de 1962 continua a fazer-se. Os documentos da época e os depoimentos necessários, são ainda um ponto de reflexão para fazer uma aproximação mais sistematizada ao assunto, de tantos reflexos, na sequência do processo político português.
4.  Lembro-me que, numa das RIAS de 64-65 – em conversa de corredor – se lembrava o facto de a greve da Universidade de Coimbra de 1907, ter procedido, em 3 anos, a queda da monarquia e o advento do regime republicano...Não partíamos daí – naturalmente – para o esquematismo primário de que as coisas “aconteceriam em determinado momento: mas não duvida que a crise de 62 e os seus prolongamentos até 65 – e, posteriormente, os movimentos de 69-72 até à queda do fascismo – contribuíram largamente para a compreensão – por parte de muitos e muitos – de que lado estavam em relação ao problema político. Os movimentos estudantis – assumindo uma importante expressão de massas, criando e estruturando uma consciência antifascista que muitos assumiram, forjando quadros e técnicos que, para além da dimensão profissional e cientifica, ganharam no ano do seu percurso pelas Universidades, uma largueza de horizontes que a ditadura , que se abatera sobre o Pais não queria, manifestamente, que existisse – foram importantíssima escola de formação de quadros que ajudaram ao amplíssimo movimento de resistência que fez eclodir variados tipos de lutas, com o consequente alargamento da consciência a novas camadas e grupos sociais.
5.  Os anos seguintes, com vitórias e inêxitos, continuam 1962.
O Decreto-Lei 44632 (de 15 Outubro de 1962) vem estabelecer um novo regime das actividades circum-escolares procurando ainda, aparentemente, ter conta a situação das organizações circum-escolares cujos “corpos gerentes foram privados de funções em consequência de despacho ministerial de 13 de Abril de 1962”. A luta contra tal decreto-lei esteve na primeira linha da preocupação dos estudantes de 63, 64, 65. Numa carta aberta colectivamente assinada por presidentes das Associações e Pró-Associações da Universidade de Lisboa nos inícios de 1965 situava-se bem o problema, face ao destinatário da carta o então ministro da Educação Nacional, Galvão Teles. Dizia-se nessa carta – e referindo-se a um discurso desse ministro de finais de 1964 – que as tentativas de recuperar a Mocidade Portuguesa eram vás. Aliás, sublinhava-se também que “vários são os agrupamentos de minorias activistas que a Universidade tem conhecido, extinguindo-se todos eles em curto prazo de tempo, não por falta de encorajamento do exterior, mas por falta de audição no interior. Assim é que, por cá, têm desfilado o Movimento Jovem Portugal, o Movimento dos Estudantes Universitários de Portugal (conhecido por Meu Portugal), a Acção Académica e a Frente dos Estudantes Nacionalistas – os quais são apenas sucessivas e precárias tentativas de salvar as ideias do desprestigio das organizações. A sua eficácia é diminuta e a sua vida é efémera – mas a da Mocidade Portuguesa nem isso: na Universidade, a MP não tem vida é uma mera tabuleta”.
Ligado directamente ao problema da legislação situa-se o problema da legalização das Pró-Associações. Mas para além destes problemas claramente estudantis abordam-se nesses anos – continuam a ser abordados – problemas como os das estruturas institucionais nas Universidades: é assim que, na carta aberta já referida, são apresentados como pontos 1 e 2 de pontos a resolver o “da eleição dos reitores e directores pelos órgãos universitários representativos” e o da “representação dos estudantes nos Conselhos Escolares e Senado Universitário”(5).
A repressão, entretanto, alargara-se e dezenas de estudantes foram presos. As reacções foram vigorosas – designadamente as do inicio de 1965, que respondem à actuação policial – tendo, entretanto, menor capacidade de mobilização de massas. O recrutamento para as Forças Armadas era uma das armas utilizadas para desviar quadros associativos; a intimidação e a hostilidade, de professores para com estudantes com cargos associativos – mesmo quando excelentes estudantes – eram outras armas de tentativa de desmobilização e descrença.
6.  Relendo, hoje, 40 anos depois, boletins, jornais (6), comunicados das associações é inegável a importância de tudo quanto se fez nesses anos difíceis. O fascismo sofreu aí variados percalços, que tiveram variadíssimos ecos e um dos que não foi menor foi aquele que atingiu as Forças Armadas e que veio a permitir o 25 de Abril de 1974. Na efeméride do 24 de Março de 1962, entende-se bastante do que foi e é a história do Pais, antes e depois da viragem histórica de 1974 – 1975.

 




(1)  Um dos melhores trabalhos sobre “elementos históricos” da vida das “associações de Estudantes” é uma comunicação de Albano Freire Nunes e Eurico de Figueiredo, presente ao II Seminário de Estudos Associativos, realizado em Lisboa, em Setembro de 1964. Retiramos alguns dados desse trabalho.
(2)  “A Universidade portuguesa não é livre, não é moderna, não é autónoma. Nela reina o monolitismo doutrinário, a ausência de livre discussão, o favoritismo, o exemplo do êxito fácil, o incitamento constante à irresponsabilidade e à falta de um esforço cultural autónomo” – pág. 1 do documento da Comissão Cívica Eleitoral, referida no texto.
(3)  Tese, já  citada, de A. Freire Nunes e de Eurico de Figueiredo (1964).
(4)  Julgamos de chamar a atenção para: o “Avante!” n.º 315, de Abril de 62, que titula na 1.ª página “25000 estudantes em greve! Milhares de jovens gritam por liberdade, autonomia e contra a repressão”; para o texto do Dr. Álvaro Cunhal em “Rumo à Vitória”, em que sublinha que pela sua amplitude, pelo seu rigor, “pela direcção hábil e corajosa, as grandes lutas de 1962, colocam os estudantes portugueses numa das primeiras filas do movimento antifascista”, “o que tem dado força aos estudantes, o que os tem educado politicamente o que lhes tem permitido resistir vitoriosamente à repressão fascista, é a sua unidade, o carácter da massas do movimento e o seu apoio em organizações legais que conseguem defender de todas as tentativas de liquidação”; e para o texto, do Dr. Mário Soares, em “Portugal Amordaçado” que faz referência ao tema, sublinhando que 1961 foi o ano da “grande viragem” por factores internos e externos e sublinhando que Marcelo Caetano “tirou um grande partido do seu gesto de demissão de Reitor”, começando a “talhar uma reputação de liberal, muito afastada, aliás, da imagem que dava de si próprio, como professor e homem público, antes da crise de 1962”. Também o Sr. Dr. Jorge Sampaio, Secretário-Geral das Reuniões Inter-Associações em 1962, fez uma importante intervenção nos anos 80 sobre a crise de 1962 salientando que “foi possível, durante meses a fio, através de grande relacionação com a massa estudantil, com os plenários em frente da Reitoria a funcionar diariamente, viver um clima de unidade entre variadissimas correntes de opinião”.
(5)  Em texto que “aproveitava as expressões aparentemente dialogantes do ministro de Salazar, as AE sublinhavam que propunham a constituição de órgãos representativos mistos, I.é., com professores e estudantes, onde os interesses da Universidade serão autenticamente zelados”. E concluíam, “Para V. Ex.a.. Isto é, decerto, institucionalismo. Pois bem, é isso que propomos”. Tal carta aberta levou os signatários ao processo disciplinar, conjuntamente com outros factos também indicados como subversivos.
(6)  Entre muitos outros, permitiamo-nos sublinhar um texto sempre indispensável, o do famoso artigo “Autópsia do Ensino”, feito por Almeida Faria, Almeida Fernandes e Nuno Brederode Santos que era uma análise quantificada e demosntrativa da nulidade do esforço educacional e que começava com uma citação “lapidar” do ditador “ou refazemos a vida refazendo a educação ou não fazemos nada de verdadeiramente útil”, que, pelo texto, se via como era na realidade completamente inverídica. Também nos merece destaque um número do “Idem” – jornal de alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, de Abril de 1964, com uma colaboração que , nos aparece como digna de análise e mesmo de curiosidade, juntando nomes que se situam, hoje, em áreas diversas e sublinhando uma colaboração literária de valor, que convirá reler.






quinta-feira, 14 de julho de 2011

2 anos


"- Sabes, mãe, ontem estive a ler o livro do avô.
- Sim?
- E tenho sempre a mesma sensação. Continua-me a parecer que não é verdade. Acho sempre que o avô vai entrar de repente. E já passaram dois anos..."

A Catarina, ontem.
E esta sensação que partilhamos. O avô António tinha uma presença tão intensa, tão cheia, que custa a crer que não voltará a estar connosco. Na Várzea, em Cabanas, em Lisboa, nas nossas casas ou na dele.
Mas por ter sido tão intensa, essa presença faz agora parte de nós. Acontece, muitas vezes, falarmos dele a propósito de tudo e de nada, de pequenas coisas que o trazem à memória e à conversa.